Escolas e universidades federais deverão ter tradutor para surdo
23/06/2008
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Escolas e universidades federais deverão ter tradutor para surdo
Decreto passa a valer em dezembro; professores também aprenderão língua dos sinais
Ricardo Westin
A partir do dia 23 de dezembro, todos os colégios e universidades federais do País estarão obrigados a contratar intérpretes da língua dos sinais para que os estudantes surdos possam acompanhar as aulas. Ao mesmo tempo, todas as universidades - públicas e particulares - terão de incluir aulas de Libras (sigla de língua brasileira de sinais) nos cursos de formação de professores (como letras, matemática e história)e de fonoaudiologia.
As novas obrigações são um grande avanço no sistema educacional brasileiro. O País tem, de acordo com o Censo 2000, cerca de 5,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva - 3% da população. O número inclui as pessoas que nasceram surdas e as que perderam a audição ao longo da vida.
Os índices da educação dão uma dimensão da importância da inclusão da Libras nas salas de aula. Segundo o Ministério da Educação (MEC), existem 66.261 alunos surdos da educação infantil ao ensino médio - 0,12% do total. No ensino superior, só 974 - 0,02%. A diferença nos porcentuais mostra a dificuldade para chegar à universidade.
No passado, a tendência das escolas, tanto as regulares como as voltadas para os surdos, era “oralizar” os alunos, isto é, fazer com que aprendessem a falar e a ler os lábios. O conceito começou a mudar no início dos anos 90, quando se chegou à conclusão de que nem todos tinham aptidão para a “oralidade”. A língua dos sinais passou a ser permitida.
Kátia Cerniauskas nunca se deu bem com a “oralização”. Por isso, só pôde cursar uma faculdade quando a PUC de São Paulo, particular, decidiu contratar intérpretes de Libras. Ela tem 46 anos e está no último ano do curso de pedagogia. “Sem intérprete, eu não teria condições de estar aqui”, diz Kátia, traduzida por uma intérprete. A PUC tem 12 tradutores para 14 alunos.
LÍNGUA BRASILEIRA
Na Libras, cada palavra é “dita” por meio de um sinal próprio com as mãos. “Obrigado”, por exemplo, lembra uma continência militar. “Deus” é representado pelo dedo indicador apontado para cima. As palavras só são ditas letra por letra quando não têm um sinal específico, como os nomes de pessoas. As expressões faciais são importantes - diferenciam, por exemplo, “gostar” de “amar”. Cada país tem sua própria língua de sinais. A do Brasil é diferente da de Portugal. Por isso, é considerado bilíngüe quem sabe português e Libras.
A Libras também tem uma estrutura gramatical e sintática própria. A frase “ela vai para casa”, por exemplo, é formada pelos sinais “casa” e “ir”. Os verbos não são conjugados, como se estivessem no infinitivo. É preciso apontar para a pessoal sobre quem se está falando.
A intérprete de Kátia é Andréa de Oliveira, de 35 anos. Ela fica na frente da turma - de preferência ao lado do professor - e traduz para a Libras tudo o que se diz na aula e para o português tudo o que diz a aluna. São quatro horas movendo braços e mãos. “Se não faço alongamento antes da aula, fico toda dolorida.”
Segundo a Andifes (associação que reúne os reitores das federais), as universidades já solicitaram ao MEC autorizações para contratar tradutores. Ainda não se sabe o tamanho da demanda. A UnB (Universidade de Brasília), por exemplo, tem sete deficientes auditivos em cursos como comunicação social, direito e engenharia mecânica.
O MEC aplicará em janeiro o primeiro exame oficial de proficiência em Libras do País. Esse certificado poderá ser um dos requisitos exigidos pelos colégios e pelas universidades federais para contratar os intérpretes.
Na sexta-feira, teve início o primeiro curso superior voltado para a formação de professores da língua de sinais. Será como os demais cursos de letras, com a diferença de que, em vez de se habilitar em português ou inglês, o estudante se especializará em Libras. O curso é coordenado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ministrado simultaneamente, pela internet, em outras oito faculdades públicas. “Os surdos estão finalmente tendo o direito da educação”, diz Marlene Gotti, assessora técnica da Secretaria de Educação Especial do MEC.
Para Maria Aparecida Leite Soares, responsável pelo Ambulatório de Atendimento Pedagógico de Crianças Surdas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o simples uso da Libras não garante o sucesso da educação. Além de muitos professores não estarem preparados, ela diz que parte das famílias não consegue identificar logo a surdez do bebê, o que compromete o aprendizado.
Na opinião de Maria Aparecida, o ideal é que os surdos ao mesmo tempo se “oralizem” e aprendam a Libras. “Seria ótimo se todas as pessoas soubessem a língua de sinais. Mas não é essa a realidade. Vivemos num mundo de ouvintes.”
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