Especialistas já falam em cura para o autismo

07/04/2009

Embora a ciência estude o distúrbio há seis décadas, só há pouco mais de 20 anos surgiu a primeira associação para o autismo no Brasil

Na casa ainda em construção do Lago Norte, a menina de 12 anos corre de um lado para o outro. Frequentemente mexe os dedos das mãos num movimento repetititvo (os médicos chamam isso de estereotipia). Aquele momento é só dela. Ninguém mais pode entrar no seu mundo tão encantadoramente particular. Luísa é autista. É a terceira e última filha da servidora pública Luzanira Maria Santos, 46, e do analista de sistema Abmael Ribeiro, 45. Até os 2 anos de vida, a pequena Luísa era uma criança que falava, brincava, ia à escola e tinha uma relação completamente integrada com o mundo e com as coisas que a cercava.

Depois dos 2 anos, tudo mudou. “Ela teve uma regressão na fala e na interação social. Deixou de falar, brincar com outras crianças e se isolou”, lembra a mãe. Começava a via-crúcis do casal para entender o que Luísa tinha. “Nunca tinha ouvido falar de autismo”, admite Luzanira. De consultório em consultório médico, Luzanira e Abmael queriam entender o que havia com sua filha. Clinicamente, não havia nada errado. Foram a uma psicóloga. Depois de 12 sessões de terapia, o primeiro diagnóstico: Luísa era autista. A menina completara 3 anos. “E o que ouvi naquele época é que não havia cura, minha filha não teria perspectiva nem esperança de um futuro”, diz a mãe.

O sofrimento e a dor invadiram a vida do casal. “Eu chorei e sofri muito”, confessa. Mas, mesmo em lágrimas e despedaçada, Luzanira foi à luta. Procurou o que pôde em livros médicos e na internet, ainda meio incipiente àquela época. “Tudo era muito forte e de derrubar qualquer mãe. Não havia nenhuma esperança de que minha filha pudesse ter uma vida integrada.”

Luzanira decidiu que iria ao fim do mundo em busca de alguma explicação que a levasse a uma compreensão maior do autismo de sua filha. Em dezembro de 2003, embarcou para os Estados Unidos. Foi atrás do Programa Son-Rise, criado por Barry Neil Kaufman e Samahria Lyte, em 1974, para o filho Rauan, que possuía autismo severo — nenhuma comunicação com o mundo externo. O método tem como princípio olhar a criança como um todo, em vez de se focar apenas naquilo que aparenta ser desafiante. Ou seja, cuidar e incentivar as habilidades e motivações do autista. Os pais de Rauan foram tão a fundo nos seus propósitos que se juntaram ao filho em tudo — até na repetição dos movimentos. “Era como se eles dissessem ao menino: ‘Nós estamos entrando no seu mundo também’. Rauan aceitou e passou a interagir com seus pais. Hoje, está com 36 anos e coordena o programa. É a prova de que o autismo é tratável e pode ter cura”, comemora a incansável Luzanira.

A história, de tão real, virou filme nos Estados Unidos, com repercussão no mundo inteiro. O nome? Son-Rise, a miracle of love. No Brasil, foi chamado de Meu filho, meu mundo. Barry e Samahria foram procurados por pais de autistas do mundo inteiro. Luzanira conheceu o programa. Voltou para Brasília, encontrou-se com outros pais e decidiram, todos juntos, que mudariam a história — o destino sem esperança — dos seus filhos.

Músico nato
Luzanira e Abmael se encontraram com a veterinária Áurea Daia Barreto, 37, e o engenheiro e acupunturista Ubyrajara Gomes, 50, moradores do Guará e pais do pequeno Lorenzo, de 5 anos. O menino, cuja família também descobriu o autismo aos 2 anos, participa do mesmo programa de Luísa. E tem surpreendido os pais todos os dias. “Ele voltou a falar, já diz frases inteiras e faz aulas de música. Ouve uma canção uma vez e é o suficiente pra tocar e cantar, até em inglês. O professor dele fica impressionado”, vibra Áurea, orgulhosíssima dos progressos do menino especial.

Luísa tem acompanhamento diário e domiciliar com psicólogos. A mãe a tirou da escola por entender que em nenhuma delas — nem as de ensino regular e as especiais — havia profissionais capacitados para lidar com uma criança autista. A menina, pré-adolescente, tem o dia inteiro preenchido. São duas psicólogas pela manhã e mais duas à tarde. Há um quarto preparado só pra ela.

Quer ver Luísa ficar feliz? Deixe-a ficar se embalando na rede. Aos poucos ela começa a dizer uma ou outra palavra. E volta a sorrir, quando realmente se sente segura e amparada. “Autista não tem nenhum prejuízo cognitivo. O prejuízo é apenas de interação”, comenta a psicóloga Ana Carla Mello, 30, uma das profissionais que atendem Luísa. E admite: “Na faculdade, aprendi que autistas não estabelecem contatos. Hoje, com a Luísa, cada movimento é uma celebração”.

Luzanira só quer ver sua filha cada vez melhor. “Escolhi não me preocupar com o futuro. Ela é feliz hoje e tem qualidade de vida”, assegura a mãe da menina. Áurea não vê a hora de Lorenzo voltar a frequentar a escola, que deixou aos 3 anos, incomodado pelo barulho. O pai dele faz um apelo aos pais que estão passando pelo que ele um dia passou: “Não se desesperem. Essas crianças têm um potencial imenso. E quando mais cedo começar o tratamento, melhores serão os resultados”.

São histórias escritas com lágrimas, luta, esperança, determinação e uma vontade imensurável de que um dia, não importa quando, as portas desse mundo quase intransponível de seus filhos se abram para sempre. Luzanira, Abmael, Áurea e Ubyrajara sabem bem o que é isso.

Reduzindo danos
Em 12 e 13 de abril, na 510 Norte, Luzanira e Áurea preparam um workshop voltado aos pais e profissionais que cuidam de crianças autistas. Como convidada, a homeopata norte-americana Andrea Lalama, que falará sobre medicina integrativa e terapias naturais, como ajuda para reverter os danos da desordem comportamental. Contatos: Luzanira: 9279-4838 e Áurea: 8127-2728

Sintomas do distúrbio
O autismo é uma desordem global do desenvolvimento neurológico (hoje alguns estudos apontam também para uma desordem metabólica). É uma alteração cerebral/comportamental que afeta a capacidade da pessoa de se comunicar, de estabelecer relacionamentos e de responder apropriadamente ao ambiente que a rodeia. As recentes estatísticas do autismo entre a população dos Estados Unidos e da Europa apontam para a existência de uma epidemia atual. Lá, saltou de um em cada 2.500 pessoas, na década de 1990, para um caso em cada 150 pessoas, em 2007 (fonte: Centers for Disease Control, EUA). Embora a ciência estude o distúrbio há seis décadas, só há pouco mais de 20 anos surgiu a primeira associação para o autismo no Brasil. E mesmo assim ficou restrito a um grupo muito pequeno de pessoas, entre elas poucos médicos, alguns profissionais da área de saúde e pais que haviam sido surpreendidos com o diagnóstico dos filhos.

O autismo foi descrito pela primeira vez em 1943, pelo médico austríaco Leo Kanner, em seu artigo Autistic disturbance of affective contact, na revista Nervous Child. Não há exames clínicos que possam indicar se uma criança é ou não autista. O diagnóstico do profissional é feito apenas pela observação. Os pais, por sua vez, devem ficar alerta para alguns destes comportamentos: dificuldade de conviver com outras pessoas; insistência com gestos idênticos; resistência a mudar de rotina; pequena resposta aos métodos normais de ensino, ecolalia (repetição de palavras ou frases); não responde às ordens verbais — atua como se fosse surdo; dificuldade em expressar suas necessidades; emprega gestos ou sinais para os objetos em vez de usar palavras; hiper ou hipoatividade física; pode não querer abraços de carinho ou pode aconchegar-se carinhosamente.


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