Lei de Cotas mais pessoas com Deficiência no mercado de trabalho

24/08/2008

Lei de Cotas amplia as possibilidades de inserção, mas a baixa qualificação ainda é empecilho. Criada em 1991 e regulamentada por decreto em 1999, a Lei 8.213 é um marco divisor no esforço de inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Ao tornar obrigatória, para empresas com mais de cem funcionários, a reserva de 2% a 5% das vagas para indivíduos antes marginalizados nos processos de recrutamento e seleção, essa lei contribuiu para acelerar o processo de inclusão social e provocou empresas e organizações de terceiro setor a se especializarem na capacitação profissional e na colocação desse público. "A necessidade de cumprir a lei de cotas alavancou a implementação de uma rede de serviços", constata Flávia Cintra, vice-presidente do Instituto Paradigma, organização especializada em pessoas com deficiência.

Antes da lei, poucas empresas de recrutamento se interessavam pelo assunto. E as organizações de terceiro setor, por sua vez, corriam atrás de companhias dispostas a empregar pessoas com deficiência, dependendo, quase sempre, da boa vontade de amigos de bom coração. Com a reserva das cotas, o movimento se inverteu: hoje são as empresas que procuram recrutadoras especializadas e organizações para preencher o percentual de vagas.

Na opinião de Flávia Cintra, uma lei como essa não gera necessariamente consciência e sensibilização para a causa. Mas constitui um primeiro passo. Embora muitas corporações, enfatiza, acionem o Instituto Paradigma apenas por se sentirem obrigadas a cumprir o texto legal, cresce a cada dia o número daquelas que "reconhecem a inclusão como um valor".

A Serasa é considerada uma referência nesse tema. Especializada em decisões de crédito e apoio a negócios, desenvolve, desde 2001, o Processo Serasa de Empregabilidade de Pessoas com Deficiência, pelo qual já contratou cem funcionários deficientes. E hoje tem 15 pessoas em atividade de capacitação. Para o coordenador do projeto, João Baptista Ribas, esse processo de seleção apenas reforça os valores humanistas da companhia e nada tem de paternalista, na medida em que não distingue as pessoas com deficiência do restante dos funcionários. "Sabemos que essas pessoas têm mais dificuldade de ingressar no mercado de trabalho. Por isso, adotamos outros critérios de seleção. Mas no dia-a-dia o tratamento é igual. As metas exigidas são as mesmas para todos", explica.

Segundo Ribas, a companhia não exige experiência anterior. E também capacita os profissionais com deficiência antes de contratá-los. Depois disso, técnicos de recursos humanos realizam uma análise de perfil. Se não se mostrar apta para trabalhar na Serasa, a pessoa é indicada para outras empresas. Efetivados, no entanto, os deficientes contam com um ambiente adaptado e amplamente favorável para realizar seu trabalho: além da acessibilidade física plena, a empresa dispõe de impressoras Braille, softwares especiais, gravadores de voz e interpretadores de Libras, a língua brasileira de sinais. "Procuramos oferecer às pessoas com deficiência todos os recursos de que necessitam. Mas precisamos encontrar gente que tenha o mínimo de escolaridade", adverte.

A baixa escolaridade das pessoas com deficiência representa, de fato, um entrave para a efetivação da Lei de Cotas. Recente estudo intitulado "Estratégia Empresarial sobre Empregabilidade e Sociabilidade de Portadores de Deficiências", da AGMKT Estratégia Empresarial, concluiu que só 31% dos deficientes, hoje empregados, têm entre oito a 12 anos de escolaridade. Apenas 10,4% possuem carteira assinada. Segundo Cristiane Berti, psicóloga e analista de RH especializada em colocação de pessoas com deficiência, boa parte das vagas não são preenchidas em virtude da baixa qualificação aliada ao alto nível de exigência do mercado. "Por causa disso, temos de abrir mão, em alguns momentos, das competências técnicas, valorizando o comportamento que esse profissional tem para nos oferecer", conta a especialista.

Para Cristiane, o processo de colocação profissional da pessoa com deficiência observa três etapas. A primeira consiste em diagnosticar a necessidade da vaga e as habilidades esperadas do contratado. A segunda refere-se à identificação e adaptação das condições físicas do local de trabalho. E a terceira está relacionada à preparação dos interessados. "Para contratar um bom profissional e oferecer a ele qualidade de vida no local de trabalho, tudo deve ser feito com muita cautela", prega. Flávia Cintra, do Instituto Paradigma, lamenta que, por causa da competitividade, o acesso à educação venha sendo determinante na contratação dos deficientes.

Na opinião de Neuza Maria Goys, consultora da CS4, especializada em projetos de diversidade, a inserção profissional de pessoas com deficiência enfrenta as dificuldades naturais de um processo muito novo no universo empresarial. "Não vejo preconceito. Mas percebo falta de experiência em lidar com a novidade do tema. Os RH de empresas são profissionais normalmente formados em faculdades de primeira linha e não têm a vivência do contexto de exclusão", afirma a consultora, para quem o serviço de colocação das pessoas deficientes deve ter, acima de tudo, a preocupação de educar todas as partes envolvidas: candidatos, familiares, gestores e funcionários. Segundo Neuza, uma das principais dificuldades no processo é a pouca flexibilidade das empresas nos requisitos e perfis. "Muitas vezes, a companhia quer um profissional com diploma de faculdade de administração de ponta. Não aceita, por exemplo, um outro com talento, vontade e disposição para crescer", avalia.

A baixa qualificação e o desconhecimento das exigências do mercado são, segundo Neuza, dois grandes entraves à colocação profissional dos deficientes. Mas não os únicos. Para ela, a insegurança da família e a baixa auto-estima também atrapalham. "Alguns chegam procurando um cargo operacional, de baixo salário, porque não acreditam estar preparados para nada melhor ou porque suas famílias têm receio de expô-los. Cuidamos para que se sintam valorizados e busquem algo melhor", explica.

Para Ribas, da Serasa, profissionais com ou sem deficiência apresentam as mesmas carências: baixa escolaridade, pouco conhecimento sobre o funcionamento de uma grande empresa e dificuldades com instrumentos de trabalho comuns, como o computador. "Uma coisa é treinar, outra é ter de suprir o básico que eles já deveriam chegar aqui sabendo", afirma. "Se a pessoa não possui um conhecimento específico, mas tem capacidade de aprender, ela fica por aqui."

Graças a uma cultura de respeito à diversidade valorizada na empresa, Ribas avalia como "a melhor possível" a convivência entre os funcionários. Segundo ele, são muitas as pessoas com deficiência circulando pela companhia. Lidar com a diferença é, portanto, um aprendizado cotidiano e permanente. Não existe na Serasa, acredita, nenhum tipo de preconceito, muito menos o receio que ele já observou em outras companhias, principalmente em relação à comunicação.

Nem todas as empresas realizam sozinhas, como a Serasa, o processo de recrutamento e seleção. Muitas preferem recorrer aos serviços especializados de organizações de terceiro setor, como o Instituto Paradigma, que faz um trabalho de educação corporativa e desenvolve projetos adequados à realidade de cada organização. "Nossa tarefa é instrumentalizar as corporações com vistas a acelerar o processo de inclusão. Para isso, fazemos a capacitação da equipe de gestores, envolvendo também a área de responsabilidade social, de comunicação e de engenharia", explica Flávia. Montar grupos internos de discussão ou contratar arquitetos para tornar os ambientes de trabalho mais acessíveis são algumas das soluções que podem nascer do apoio de especialistas no tema.

"Tem muita gente que não sabe como se comportar, por isso é importante criar estratégias para que as pessoas tirem suas dúvidas e se sintam menos inseguras", diz.

Outra organização especializada, a Carpe Diem, adota estratégia de atuação diferente. Lá, é a pessoa deficiente que escolhe com o que deseja trabalhar. A entidade então diagnostica as habilidades do candidato e faz a mediação com a empresa, passando pelo processo de seleção, contratação, sensibilização da companhia e acompanhamento profissional. "Fazemos com que a empresa se adapte ao funcionário e vice-versa", afirma Glória.

Já a Sorri-Brasil, que atua desde 1972 com a inclusão social e profissional de deficientes, procura estabelecer parcerias com o poder público, empresas, universidades e outras ONGs. "Nossa meta hoje é transferir o know-how desenvolvido nesses trinta anos de trabalho para quem precisa", destaca a superintendente Carmen Bueno.

Além de serviços de consultoria e palestras, a Sorri-Brasil dirige suas ações tanto para os parceiros, com capacitações para equipes de RH e outros funcionários, quanto para os deficientes atendidos por meio de oficinas profissionalizantes (em artes, computação, corte e costura, teatro, dança e artesanato, por exemplo), colocação no mercado de trabalho e projetos de empreendedorismo que visam a geração de renda. Os participantes dos programas também recebem assistência médica, psicológica e social. "Queremos que as pessoas sejam contratadas pela sua competência", afirma Carmen.

Ainda segundo a mesma pesquisa da AGMKT, os funcionários deficientes tendem a permanecer nas empresas por mais tempo. O desemprego, por seu turno, atinge mais pessoas sem (7%) do que com deficiência (6,2%). O tipo de deficiência afeta diretamente o nível de dificuldade de inserção no mercado de trabalho. O estudo demonstra que, dos 14,5% deficientes na ativa, 58% são visuais, 54%, físicos e 38%, auditivos.

Para a Carpe Diem, as pessoas com deficiência mental são as que têm menos espaço nas empresas. De acordo com Glória, a diferença das companhias envolvidas com a causa da inclusão para aquelas que só cumprem a Lei de Cotas é que estas últimas tendem a contratar apenas pessoas com deficiência física. Mas o problema não se encontra apenas na escassa oferta de postos de trabalho. Há outros três obstáculos. O mais comum é a resistência das famílias. Mas pesam também a capacitação e o preconceito. "As empresas querem formação, mas se mudarem seu olhar e passarem a acreditar nos deficientes, entenderão que existem muitas funções nas quais eles podem trabalhar", diz. "Um dos papéis mais importantes das ONGs é pressionar para que haja mudanças."

Ana Paula Martins, 22 anos, é um exemplo de inclusão bem-sucedida. Com Síndrome de Down, ela ingressou na Carpe Diem há dois anos. Desde então começou a trabalhar e a estudar em curso supletivo de quinta à oitava séries. Durante a semana, passa as manhãs na organização, onde recebe acompanhamento e apoio para lidar com o dinheiro, o trabalho, os estudos, a família, o próprio comportamento e o namorado, com quem está há um ano e já planeja morar junto. Na Matec Engenharia, Ana Paula organiza notas fiscais e tira fotocópias. "Gosto de trabalhar porque me sinto satisfeita com o meu trabalho e totalmente incluída. Na minha família todos também me aceitam como eu sou, com Síndrome de Down", conta.

 

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