Mercado de trabalho exclui deficientes

22/06/2011

Tese mostra que “lei de cotas” e políticas públicas não garantem a inclusão

Por Jeverson Barbieri

Pesquisa conduzida pelo economista Vinícius Gaspar Garcia revela que, apesar dos avanços ocorridos nos últimos anos com a implementação de políticas públicas e, também, pela chamada “lei de cotas”, a participação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal ainda é muito baixa. Segundo o autor do trabalho, se for levada em conta a faixa etária considerada “produtiva” – entre 15 a 59 anos – e os critérios “técnicos-jurídicos” que estabelecem quem tem uma deficiência, teríamos cerca de seis milhões de pessoas nestas condições no Brasil. De acordo com os dados obtidos da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 2007, o número de pessoas com deficiência contratadas formalmente era de 350 mil pessoas; em 2008, 320 mil e, em 2009 esse índice cai para 290 mil. “Isso dá uma ideia do abismo que ainda existe entre aqueles que estão trabalhando e os que poderiam estar no mercado formal“, argumentou o economista. As estimativas encontradas apontaram que Campinas emprega 12% de sua população com deficiência; o Estado de São Paulo 10%, e o Brasil apenas 5%.

Na opinião de Garcia, esses indicadores sinalizam que um número muito elevado de pessoas com limitações físicas, sensoriais e/ou cognitivas continua exercendo atividades informais e precárias, muitas vezes sem continuidade. Ou simplesmente não possui ocupação, vivendo com base em aposentadorias, pensões e, ainda, com o suporte familiar. Também deixa claro que a “lei de cotas”, embora necessária, é insuficiente para fazer a inclusão. Até porque, se for cumprida na íntegra ela garantirá cerca de 800 mil vagas de empregos, ou seja, mais do que cinco milhões de pessoas com deficiência ficariam de fora do mercado se dependessem só da Lei. “A questão da legislação precisa ser repensada e melhorada“, acrescentou.

Garcia avalia ainda que, mesmo sendo um instrumento de ação afirmativa insuficiente, sem a lei de cotas o quadro de empregos seria ainda pior. Em sua visão, ela gerou um debate necessário nas empresas e na sociedade em geral. No entanto, ela poderia ser encarada como um instrumento temporário, com avaliações constantes. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa lei começou a ser cumprida e fiscalizada logo após o término da II Guerra Mundial, porque muitos soldados retornavam com sequelas do campo de batalha. Essa lei vigorou, grosso modo, de 1950 a 1990. “Deixou de existir por pressão das próprias pessoas com deficiência. Atualmente, eles não necessitam mais desse tipo de mecanismo de ação afirmativa porque estão plenamente integrados no mercado”, contou. A “lei de cotas” brasileira tem quase vinte anos – é de 1991 -, mas só foi fiscalizada com maior rigor a partir de 2001.

Apesar de considerar a reversão do quadro de baixa participação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho uma tarefa complexa, Garcia elencou cinco aspectos que seriam fundamentais e as ações correspondentes que podem colaborar nessa mudança.

O primeiro deles concentra-se na ampliação do conhecimento público acerca das pessoas com deficiência e sua inserção no mercado de trabalho. Sobre esse aspecto, Garcia observa que o Censo de 2000, que pela primeira vez pesquisou de forma mais abrangente a questão da deficiência, apurou também diferentes níveis de dificuldade funcional para andar, enxergar e ouvir. Dessa maneira, acabou encontrando um contingente maior de pessoas do que aquele cuja deficiência é definida, por exemplo, pelos critérios da lei de cotas. Essa lei estabelece um percentual e define as deficiências por meio de critérios técnicos, como acuidade visual ou paraplegia, por exemplo. “Tivemos muito cuidado para extrair dos dados oficiais as pessoas com mais limitações, sejam de ordem física, sensorial ou cognitiva para se aproximar do universo que se imaginava poderia fazer jus a essa lei de cotas”, assegurou.

Associado a isso, é preciso conhecer mais profundamente a situação socioeconômica das pessoas com deficiência, de maneira geral. Garcia explicou que a utilização do Censo 2000 foi feita em função da não-disponibilidade dos dados do Censo 2010, quando da realização da pesquisa. Portanto, os dados utilizados estão defasados, mas poderão ser atualizados pela metodologia proposta na tese. Além disso, o Ministério do Trabalho e Emprego (MET) possui uma base de dados riquíssima acerca do mundo do trabalho e nela ainda não existe a variável deficiência. “Falta ter acesso a essa realidade, até para avaliar melhor os motivos pelos quais a lei não está sendo cumprida na íntegra. Há uma insegurança sobre qual é a realidade de fato”, disse.

O segundo aspecto trata sobre as questões ligadas à legislação – não só em relação à chamada “Lei de Cotas”, mas também à legislação trabalhista/previdenciária. Existem, segundo o autor, algumas barreiras que impedem que alguns empregos sejam ocupados por pessoas com deficiência. Além das questões culturais – relacionadas a preconceito e discriminação – fruto muitas vezes da insegurança e falta de informação, durante muito tempo prevaleceu a opção de aposentadoria por invalidez daqueles que adquiriam uma deficiência. Como, nesse caso, a pessoa tem que atestar sua incapacidade para o trabalho, ela não pode voltar a exercer funções formais, a não ser que abra mão da aposentadoria. Além da aposentadoria, há também o Benefício de Prestação Continuada (BCP), que atende pessoas com deficiência de baixa renda. Nesse caso, a Lei foi alterada e a pessoa pode abrir mão temporariamente do benefício, trabalhar formalmente e, se for o caso, retornar ao programa de assistência. O mesmo poderia ser pensado para a aposentadoria por invalidez.

O fortalecimento da inclusão escolar e das possibilidades de qualificação profissional, inclusive dentro das empresas, é o terceiro aspecto. Para Garcia, ela é fundamental para suprir o déficit existente e, também, para o desenvolvimento pessoal da pessoa com deficiência, rompendo com situações de dependência que ainda existem.

O quarto aspecto aborda a acessibilidade como conceito-síntese de uma sociedade inclusiva. Para Garcia, o termo sugere muito mais que rampas ou adaptações de ambientes. Significa criar condições para que as pessoas com deficiência possam se utilizar de produtos, serviços e informações como qualquer outro cidadão. “Existem recursos disponíveis, mas que não estão massificados”, afirmou.

Por fim, o quinto e último aspecto trata da consolidação de novos paradigmas e formas de pensar a temática da deficiência, na sociedade em geral, mas especialmente entre os empregadores (empresários ou gestores públicos) e as próprias pessoas com deficiência. Ademais, observou o economista, é preciso que as condições econômicas e sociais do país evoluam positivamente. O crescimento econômico acelerado, acompanhado de uma melhor distribuição de renda, com serviços públicos de qualidade e programas sociais eficazes, dentre outros, são benéficos para todos, inclusive, naturalmente, para aqueles com algum tipo de deficiência. Para Garcia, por mais que existam especificidades, não há um mundo “específico” das pessoas com deficiência. “Elas também sentirão os efeitos da melhora social mais geral, por isso que as políticas específicas – gratuidades, cotas, isenções, benefícios, etc – não podem ser um fim em si mesmo, mas parte de uma estratégia mais ampla na qual, equiparando oportunidades, todos possam construir um país melhor, mais justo e humano”, concluiu.

Fonte: Rede Saci
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