Mídia e Deficiência: 10 dicas para uma cobertura qualificada sobre Deficiência

30/12/2010


Diversas ações de apoio à qualificação da mídia brasileira no que se refere à abordagem do tema inclusão de pessoas com deficiência na sociedade vêm sendo desenvolvidas pela Escola de Gente – Comunicação em Inclusão. As informações a seguir, elaboradas pela ONG, sintetizam diversos dos pontos centrais e poderão ser de grande utilidade no dia-a-dia das redações.

1. Lembrar que o adjetivo “inclusivo” está associado a ambientes e a relacionamentos abertos à diversidade humana, e não simplesmente a situações que envolvam pessoas com deficiência.
Nesse contexto, “escola inclusiva” e “trabalho inclusivo”, por exemplo, são expressões utilizadas equivocadamente pela mídia, que as reproduz como sinônimos da presença de crianças, jovens ou adultos com deficiência. Só podem ser qualificados como “inclusivos” ambientes, relacionamentos, ações e situações que ofereçam a todo e qualquer ser humano, mas a qualquer ser humano mesmo, oportunidades de desenvolver seus potenciais com dignidade. Na dúvida se a palavra “inclusão” cabe em determinado contexto, o jornalista pode optar pelo vocábulo “inserção”, que não está vinculado a movimentos internacionais pela garantia dos direitos humanos de pessoas com deficiência.

2. Não correr o risco de considerar como notícia o que não é notícia.
O assunto Deficiência costuma gerar um tipo de emoção que muitas vezes impede o jornalista de manter a lucidez defendida no exercício diário da profissão. Toda notícia sobre Deficiência parece ser uma superpauta, o que nem sempre é verdade. Ao receber um release, é importante evitar ser influenciado pelo que parece inusitado e ótimo, porque a pauta pode ser antiga e equivocada.

3. Ao fazer uma matéria sobre deficiência, ficar atento para não mudar seus critérios de investigação habituais.

Jornalistas precisam manter, diante do assunto Deficiência, o mesmo olhar crítico e desconfiado com que se debruçam sobre outros temas. Não é isso o que vem acontecendo. A experiência mostra que ao apurar uma matéria sobre Deficiência, os profissionais de imprensa se tornam mais ingênuos, menos críticos, acreditam demais nas pessoas que entrevistam e, mesmo quando procuram obter mais de um depoimento, têm dificuldade para perceber o que existe de comum e de nãocomum entre a abordagem desses personagens.
Deslizes inadmissíveis em outras áreas, como informação de má qualidade, são mais facilmente justificados se a matéria é sobre Deficiência, principalmente se envolve o conceito de inclusão, uma vez que este é um grande desconhecido até mesmo pelas pessoas com deficiência.

4. No afã de não discriminar, muitos profissionais da imprensa superestimam as pessoas com deficiência.

Esse tipo de discriminação se manifesta através de adjetivos generalizantes, como dizer que empregados com deficiência são mais leais e produtivos, ou homogeneizações, como escrever que crianças com síndrome de Down têm necessariamente um dom para as artes. É importante manter em vista que pessoas com deficiência continuam sendo, antes de tudo, pessoas. Portanto, existem as más e as boas, as trabalhadoras e as preguiçosas, as honestas e as desonestas etc.

5. Evitar a idéia de que só a pessoa com deficiência que tem perfil de herói, capaz de superar brilhantemente suas limitações, é bem sucedida e se sente feliz.

Todas as pessoas são um conjunto indissociável de talentos e limitações, que se manifestam de forma mais ou menos contundente em função do ambiente que nos cerca. Assim, os super-heróis totais e infalíveis existem mais freqüentemente no nosso desejo do que na realidade, e as matérias que os valorizam devem tomar cuidado para não minimizar o valor de uma pessoa com deficiência que não optou por esse caminho. A inclusão nos propõe a construção de uma sociedade na qual os heróis sejam apenas mais uma possibilidade.

6. Ter uma Deficiência não é o mesmo que estar doente.

Deficiência também não é sinônimo de ineficiência. Deficiência e doença têm definições distintas pela Organização Mundial de Saúde. Ao confundir deficiência com doença, a mídia comumente reforça a idéia precipitada de que o primeiro passo para inserir uma pessoa com deficiência na sociedade é curá-la, quase “normalizá-la”. Ao contrário, reabilitada ou não, tendo freqüentado uma escola regular ou não, pessoas com deficiência são titulares de direito. Muito comum, na mídia, é a veiculação de campanhas publicitárias que expressam claramente o quanto ainda persiste no imaginário da sociedade o impulso de escamotear a Deficiência, como se ela fosse ilegítima, e devesse ser combatida como se faz com uma doença. Com certeza, não se deseja a deficiência, mas só a partir do seu reconhecimento é possível avançar em um processo de inclusão.

7. Não usar as expressões “o portador” e “o deficiente”.

Profissionais da mídia não precisam utilizar o termo “portador”. A palavra está na nossa Constituição, mas deve ser evitada por se tratar de um eufemismo desnecessário. “Deficiente”, por sua vez, toma a parte como um todo, passando a idéia de que a pessoa inteira é deficiente. O melhor é usar “pessoa/ indivíduo/gente com deficiência” ou “pessoa/indivíduo/ gente que tem deficiência”.

8. Citar a legislação brasileira e as convenções internacionais é fundamental para que a opinião pública vá sendo educada a refletir com mais segurança sobre inclusão.

Ainda vigora a idéia de que pessoas com deficiência “ganham privilégios”, “recebem dádivas”, “têm sorte
por determinada razão”... Muita gente ainda têm a impressão de que as leis inclusivas, em nosso País, são recentes, inéditas, recém assinadas. Isto porque raramente são citadas pela imprensa, que acaba se interessando mais pelo factual, desprovido de uma abordagem que eleva o tema a assunto de interesse público. A Constituição Federal não deixa dúvidas sobre seu caráter inclusivo e isso precisa ser dito com todas as letras.

9. O tema Deficiência deve ser utilizado transversalmente.
A idéia é que abandonemos, aos poucos, o desejo de fazer super reportagens especiais sobre pessoas com deficiência em datas de festa e que o assunto passe a ser ventilado sempre que possível em cadernos de turismo (os hotéis citados têm acessibilidade?), na seção de cultura (as bibliotecas têm em seu acervo livros em braile? O Teatro Municipal tem legenda e intérprete de Libras em seus espetáculos?), nos suplementos para adolescentes (por que não realizar rodas de debates entre jovens com e sem deficiência, tendo como foco questões como vestibular, namoro, uso de drogas etc?).

10. Exercitar a idéia de que pessoas com deficiência são geradoras de capital social.
Todas as pessoas devem participar da vida cultural de suas comunidades. Nesse contexto, vem surgindo um novo tipo de direito, o cultural, para garantir que os cidadãos mantenham e satisfaçam a diversidade e as necessidades de seus modos de vida. Os direitos culturais são parte dos direitos humanos, mas de todos os humanos, sem exceção. A inclusão não é, definitivamente, uma forma generosa de resolver o problema da segregação das crianças e jovens com deficiência que hoje estão em escolas especiais ou sem acesso a seu primeiro emprego. No âmbito da educação, a escola inclusiva é também saída para a crise do ensino brasileiro.



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